quarta-feira, 12 de outubro de 2011

camiseta verde

o som de um molho de chaves barulhento ia aumentando a medida de que passos mais fortes se sobressaíam pelo corredor. três batidas na porta e a minha dor de cabeça agradecia. quebrei a ponta do lápis em cima do papel sujo de sangue e café, arrastei a cadeira com força como quem quisesse fazer mais um barulho irritante para se torturar. Levantei rapidamente, fiquei um pouco tonto, dei três passos e parei. Mais três batidas na porta e os quadros presos às paredes de madeira pareciam querer se jogar. Mais oito passos. Voltei um em função da apatia pelo que é par e girei as três fechaduras que me protegiam. Ainda tonto, ainda com dor, ainda de pé, interrompido. Abri a porta e um homem perguntava por Maria. Eu morava só, eu e minha dor de cabeça, eu e minha tontura - eu e minha paciência. Neguei a existência de maria e fui rebatido com uma insistência chata.

- Não tem maria, não tem ninguém, não tem nem mesmo quem está falando com o senhor, meu caro.

Fui grosseiro, era grosseiro, tinha de ser grosseiro.

Ele já estava se voltando para o desfile horroroso dos passos junto ao som das chaves quando eu pedi se ele poderia me fazer um favor. Claro, ele respondeu.

- Tire os sapatos e as chaves do bolso e entre.

Pedinte, grosseiro e agora um louco. Não, ele me disse com um riso constrangido. E eu retruquei um pouco mais alto, já segurando o braço defeso: tire os sapatos e as chaves do bolso e entre! Um rosto masculino com raiva estava de frente para mim. Soltei o braço e disse entre, por favor.

Não tirou os sapatos, nem as chaves e entrou, mas entrou. Fechei uma única das três fechaduras, ofereci café gelado e me aproximei. Coloquei a mão no bolso que não era meu, tirei as chaves, joguei pela janela. Me retribuiu com alguma frase impondo minha loucura ou insanidade, mas eu agora tinha um olhar fixo e com o olhar eu o calei.

Faltam apenas os sapatos, sugeri. Tirou os sapatos sem entender e eu indiquei a poltrona vermelha e velha de couro como conforto. Fechei a única janela daquele perímetro, liguei um abajur e o fiz companhia por aquele momento sem maria, sem barulho,
em silêncio.